Você já prestou a atenção nos slogans publicitários modernos? Apenas para exemplificar citaremos alguns casos comuns:
1- Uma rede Fast Food faz campanha a favor de alimentação saudável
2- Uma instituição bancária faz uma campanha incentivando o uso correto do crédito
3- Um funcionário de um banco é contra a exploração e o sistema capitalista
4- Uma funcionária que trabalha para uma empresa petrolífera advoga a favor do ambientalismo e contra a exploração do meio ambiente.
5- Um funcionário de uma empresa utiliza-se de meios ilícitos para aprovar contratos que lhe beneficiarão monetariamente, mas é muito religioso e se autopromove guardião do bom caráter e de valores infrangíveis.
Você, deve ter percebido que em todos os casos, desde o das empresas maiores até o indivíduo, existem contradições até bem aparentes. Em alguns casos a pessoa pode justificar essa contradição, colocando o trabalho como uma “coisa” e suas causas “pessoais” como outra. É a forma que ele encontra de viver essa contradição: separando sua vida em duas, uma profissional e outra pessoal.
Conforme avançamos, pode ser que lhe pareça ilógico e paradoxal tais situações. Hanna Arendt descreveu um criminoso de guerra, o indivíduo que era encarregado de lotar os vagões para ao chegarem ao seu destino todos serem mortos nas câmaras de gás, como impassivo, comum e normal. Esse criminoso ao ser indagado se não via no que fazia, um mal, uma atrocidade, que nunca deveria ser cometida, respondeu que “era apenas um burocrata, fazendo o seu trabalho, e seguindo ordens, portanto se julgava inocente.”
Porém, e ai acredito estar parte da solução desses paradoxos, que é:
1- Quanto menos alienado você for de tudo o que faz, da sociedade, do que representa para os outros e para você mesmo, melhor.
2- Quanto mais possuir valores corretos e maior senso de cooperação tanto melhor
Ou seja, como exemplo dado, o funcionário da instituição bancária. Se souber que todo aquele marketing é fictício, apenas para melhorar a imagem da empresa, em determinado momento poderá ressuar-se ou sugerir outras opções que realmente fazem a diferença sem lesar tanto o cliente.
A vida moderna é cheia de paradoxos. Por exemplo, existem pessoas que trabalham para empresas de petróleo, mas, ao mesmo tempo, são ativistas ambientais e veem o mal de todas essas corporações. À primeira vista, parece absurdo, e de certa forma é, mas a pegadinha está nas complexas interações psicológicas, sociais e filosóficas que tornam toda essa situação possível.
Em sua banalidade do mal, Hannah Arendt fornece a ideia de que o mal é feito por pessoas comuns, o fazem porque recebem ordens e não conseguem imaginar as implicações morais de seu trabalho.
Esse conceito nos ajuda a entender que os indivíduos podem produzir ações autocontraditórias sem cair em dissonância cognitiva insuportável. A teórica encontrou essa banalidade no relato do julgamento de Eichmann, e ela achou a evidência da capacidade humana de dividir a vida em diferentes áreas.
As pessoas podem seguir a mentalidade que os negócios são negócios e trabalhar para empresas de petróleo porque precisam pagar suas contas, ao mesmo tempo em que agem como defensores do ambiente em suas vidas privadas. Porque eles separam essas duas áreas de suas vidas – responsabilidade pelo bem-estar de seu lar e responsabilidade pelo bem-estar da empresa, considerando que tempo integral e empregados ao cujo trabalho é apenas uma pequena contribuição – baixas ambas.
Gustave Le Bon, em sua psicologia das multidões, acredita que a identidade pessoal pode ser substituída pela identidade da multidão, resultando em ações irracionais. Os membros da multidão perdem a capacidade de raciocinar independentemente representada pela personalidade e seguem os padrões da mentalidade de grupo; é por isso que os valores da multidão muitas vezes não têm nada em comum com os valores de seus membros individuais.
Hoje em dia, em uma sociedade onde as redes sociais e os movimentos de massa prevalecem, a intensidade do fenômeno está aumentando. Assim, o empregado de um posto de gasolina é forçado a se juntar a movimentos ecológicos porque é moralmente correto e popular entre sua comunidade. Dessa forma, ele está se tornando o que o grupo acredita, embora isso contradiga sua ocupação profissional.
Além da teoria de Arendt e Bon, há fatores psicológicos modernos que também podem justificar essas contradições. A dissonância cognitiva, um conceito introduzido por Leon Festinger, descreve o desconforto psicológico que uma pessoa sente enquanto mantém duas crenças ou atitudes conflitantes.
A fim de reduzir a tensão que surge da contradição, as pessoas frequentemente justificam suas ações, criando um mito que lhes permite aceitar ambas as crenças juntas. Além disso, a necessidade de ser aceito socialmente entra em cena. Como seres humanos, temos uma necessidade natural de fazer parte de um grupo e ser aprovados por nossos colegas do grupo.
Hoje, vivemos em uma sociedade onde o movimento ecológico é popular, então apoiá-lo traz aceitação social e afiliação, mesmo que haja uma contradição. A modernidade trouxe várias identidades e papéis sociais que as pessoas desempenham ao mesmo tempo.
Na era digital, as pessoas recebem uma quantidade infinita de informações e expectativas, contradizendo-as umas às outras e continuamente moldando e remodelando suas identidades. A capacidade de equilibrar várias facetas da vida resulta em contradições, mas é, na verdade, a complexidade do ser humano moderno.
As contradições humanas na atualidade são um reflexo das incoerências da vida moderna, aliadas a fatores psicológicos, sociais e filosóficos. A banalidade do mal de Hannah Arendt e a psicologia das multidões de Gustave Le Bon fornecem vistas interessantes sobre as possíveis raízes dessas inconsistências.
No entanto, ultimamente, parece melhor em identificar, ainda mais, a capacidade humana de se adaptar e sobreviver em um mundo repleto de desafios e mudanças. É importante reconhecer e compreender essas relações para conseguir navegar com sucesso apesar da vida complicada e facilitar a coexistência de seus valores e ações tendenciosas.
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