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Alexandre Lombardi dos Santos

A Meritocracia como Desculpa

Atualizado: 14 de out.

Na sociedade contemporânea, a ideia de mérito individual é frequentemente utilizada como justificativa para a desigualdade social e a exploração dos trabalhadores. A percepção de que a riqueza e o sucesso resultam unicamente do esforço pessoal, enquanto a pobreza é atribuída à falta de empenho, permeia discursos políticos, econômicos e sociais. Essa visão, no entanto, desconsidera as complexas condições estruturais que influenciam as oportunidades e os obstáculos enfrentados por indivíduos em diversos contextos sociais.


A meritocracia sugere que todos possuem igualdade de oportunidades para alcançar o sucesso, entendido como uma recompensa justa pelo trabalho árduo e pelo talento. No entanto, essa perspectiva ignora as profundas disparidades socioeconômicas, raciais e de gênero que moldam as trajetórias individuais.


Por exemplo, crianças oriundas de famílias abastadas têm acesso a melhores instituições de ensino, a redes de contatos influentes e a um ambiente que favorece seu desenvolvimento intelectual e emocional. Em contraste, aquelas que vêm de famílias empobrecidas frequentemente lidam com limitações educacionais, discriminação e falta de recursos básicos.


Ademais, o mercado de trabalho é repleto de desigualdades que não podem ser simplesmente atribuídas à dedicação pessoal. O capital humano adquirido por meio da educação e formação é desigual e condicionado por fatores sociais.


As oportunidades de desenvolvimento profissional e de progressão na carreira são influenciadas por redes de contatos e discriminação sistêmica, criando um cenário onde o “mérito” muitas vezes depende da posição de partida e não apenas do esforço individual.


É obvio que uma criança nascida em uma região pobre no Brasil já existir com problemas de nutrição e enfrenta problemas emocionais que outra que nasceu em uma zona de maior poder econômico. Isso significa que a primeira criança já tem um déficit de vários pontos atrás com relação à segunda na “corrida” por um lugar no “mercado”.


A crença no mérito individual também atua como um desvio de atenção para questões estruturais e sistêmicas. Ela fomenta a narrativa de que a pobreza é um fracasso individual, o que pode acarretar a estigmatização dos pobres e a resistência a políticas de redistribuição de riqueza e oportunidades.


Estudos demonstram que sistemas sociais e econômicos equitativos, como os encontrados em países com políticas de bem-estar social robustas, são mais eficazes na promoção da igualdade do que sistemas que se baseiam exclusivamente no mérito individual.


Essa crença, ademais, deslegitima a luta dos trabalhadores por melhores condições laborais e remuneração justa. Ao propagar a ideia de que cada indivíduo é responsável por seu próprio sucesso ou fracasso, ignora-se a exploração laboral e a concentração de riqueza nas mãos de uma minoria. 


As desigualdades salariais, a precarização do trabalho e a concentração de poder econômico são reflexos de um sistema que favorece os proprietários do capital em detrimento dos trabalhadores.


Portanto, a crença no mérito individual reforça a estrutura de poder existente, ao validar a posição dos ricos e poderosos, ao mesmo tempo que desvaloriza as experiências e contribuições dos trabalhadores comuns, essenciais para o funcionamento da economia. Assim, essa ideologia perpetua um ciclo de desigualdade, no qual os ricos se tornam mais ricos e os pobres permanecem presos em condições adversas, frequentemente sem perspectivas reais de ascensão social.

Desmistificar a crença no mérito individual é, portanto, fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. É imprescindível reconhecer que o sucesso de alguns é frequentemente facilitado por privilégios estruturais, enquanto o insucesso de outros, resulta de barreiras sistêmicas.


Políticas públicas que promovam igualdade de oportunidades, redistribuição de riqueza e proteção dos direitos dos trabalhadores são essenciais para criar um sistema que valorize verdadeiramente o potencial de cada indivíduo, independentemente de sua posição original.


Para que isso se concretize, seria necessário eliminar totalmente a pobreza, garantindo que todos tenham acesso à alimentação adequada, a um sistema de saúde que trate a todos de forma igualitária e a um sistema educacional primário e secundário equitativo.


    Mencionar que a meritocracia “funciona” em um ambiente “homogêneo” em termos pessoas com certo nível de educação e outras condições mais satisfatórias, ainda assim torna o mérito enganoso, pois que muitos chegaram onde estão porque seus pais lutaram por isso, mas se perguntar a faxineiras e seguranças, que tem a mesma ou maior capacidade, é muito provável que os pais deles também tenham se esforçado para que seus filhos chegassem aonde os de níveis mais altos chegaram, mas não conseguiram.


O que demonstra que a meritocracia é uma falácia. “A meritocracia é uma forma de perpetuar a desigualdade ao disfarçá-la de justiça.” — Michael Sandel.

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